A Europa tem, atualmente, mais medo do fluxo de migrantes do que do terrorismo, segundo um relatório sobre a monitorização dos direitos humanos, divulgado pelo comissário lituano Nils Muiznieks para esta área do Conselho da Europa.
Helmut Kohl, o recatado chanceler alemão que, raramente, se pronuncia sobre questões de política nacional ou internacional, desde que deixou, em 2002, a política ativa, considerou que a Europa não poderia tornar-se numa nova casa de milhões de migrantes, considerando que vêm de ambientes e crenças diferentes da matriz e dos valores judaico-cristãos, com consequências imprevisíveis em caso de falta de integração. Estas declarações representaram, assim, uma crítica velada à sua discípula Angela Merkel por apoiar uma política demasiado liberal para os refugiados, que contou, só no ano passado, com 1,1 milhões de pedidos de asilo na Alemanha, o que, aliás, está a causar à chanceler, ao nível interno, problemas políticos graves. Contudo, mais do que pessoas individualmente consideradas, consideremos os Estados. Até as nações mais acolhedoras, como a Áustria, estão a fechar as suas fronteiras ao ininterrupto fluxo migratório, sem falar dos países da Europa Central, sobretudo os do chamado grupo de Visegrado, designadamente Polónia, Hungria, República Checa e Eslováquia, que consideram criar uma segunda fronteira física de muros e arame farpado ao longo da Bulgária e da Macedónia, deixando de fora a Grécia, no sentido de estancar os migrantes que continuam a fluir, através deste último país, vindos da Turquia.
No caso de Portugal, foram recebidos, desde dezembro do ano transato, 47 migrantes, sendo que o Conselho Português para os Refugiados está já envolvido numa polémica com o Ministério da Administração Interna por este não ter pago as verbas comunitárias devidas, tendo sido definidos 6 mil euros por cada adulto e 4 mil euros por cada criança, para um período de 18 meses, não se sabendo quem vai adiantar as verbas e, na falta destas, qual a reação dos destinatários. Este pode ser, de resto, um primeiro teste à resiliência e capacidade de adaptação dos visados, mas também das entidades competentes para lidar com a inevitável lentidão burocrática, problemas aos quais se deve estar muito atento no sentido de detetar eventuais comportamentos desviantes. A solução recente para estancar este fluxo migratório, mas que também se tem vindo a afirmar muito problemática, é a de dar apoios financeiros à Turquia para aceitar no seu território os migrantes e refugiados que entraram ilegalmente na Grécia desde 20 de março. Também aqui muitos consideram perigoso que a segurança da União Europeia seja colocada nas mãos de uma autoridade que lhe é externa, a quem foi dada uma compensação financeira de 3 mil milhões de euros e que, pouco tempo mais tarde, vem exigir a duplicação desta verba, para além de, como contrapartida adicional, pretender posicionar-se para uma adesão rápida ao bloco comunitário, que está em negociações desde os anos 1980, começando por liberalizar os vistos para os cidadãos turcos.
Com efeito, a Europa não é responsável por esta crise humanitária, só com precedentes na fuga de milhões de pessoas durante a Segunda Guerra Mundial e, por isso, poucos Estados-membros aceitam a imposição de quotas, considerando que esta matéria releva da soberania nacional, e não de uma qualquer política comunitária, sendo que a generalidade dos migrantes quer rumar para os países mais abastados, onde os apoios são mais generosos. Contudo, outros Estados mais ricos, como os do Golfo, pouco ou nada fizeram, até agora, para ajudar nesta tragédia, quando cerca de 4 milhões de refugiados da Síria já migraram para territórios vizinhos como o Líbano, sendo que a calamidade se alastra também a muitos Estados da África como Eritreia, Sudão, Somália, Congo ou Nigéria. Assim, a União Europeia está a procurar resolver o problema na origem, designadamente intensificando as patrulhas navais perto da costa da Líbia e criando centros de acolhimento em África e no Médio Oriente para receber os pedidos de asilo dos migrantes. Em suma, trata-se de um dos maiores problemas que a União enfrenta desde a sua criação porque, se por um lado, esta é um espaço de liberdade e de proteção dos direitos humanos e de acolhimento dos mais desmunidos, também é certo que os europeus estão confrontados com as suas próprias crises económicas e sociais, sobretudo em matéria de desemprego, pelo que nem sempre veem com bons olhos tanta generosidade para com terceiros. Este descontentamento é capitalizado sobretudo pelas forças políticas de extrema-direita, que agitam, cada vez com mais sucesso, a sua bandeira do medo pela insegurança e, no limite, pelo recrudescimento do terrorismo. É necessário encontrar, rapidamente, um ponto de equilíbrio para este problema, rastreando em cada território as pessoas e os seus comportamentos, o que exige uma colaboração cada vez mais próxima entre serviços secretos e forças de segurança, cujo desfecho pode ditar ou o fim da União, a começar pelo espaço Schengen, ou o seu fortalecimento, retomando a direção de um projeto, inicialmente quase utópico, de paz, segurança e desenvolvimento.
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