Artigo da Senior Partner da VSM, Dra. Isabel Meirelles, na revista Frontline sobre a situação na Catalunha

O REPTO CATALÃO, ESPANHOL E EUROPEU

Ao tempo em que escrevo estas linhas, a situação na Catalunha processa-se como dois comboios que correm na mesma linha, em sentidos opostos, que não se sabe se irão chocar-se a alta velocidade e despedaçar-se mutuamente. No caso do metafórico choque, o que está em causa é a unidade territorial da Espanha confrontada pela Generalitat, governo autonómico catalão, com a declaração, ainda que de forma suspensa, da independência da região.

Tudo começou em 1626 com o conde-duque de Olivais, que impôs a todos as leis de Castela através do decreto “Union de Armas”, que acabou com os foros e as leis de cada reino, tendo-se os catalães oposto com a Guerra dels Segadores, que deu origem ao hino nacional da Catalunha. Mais recentemente, em 2010, o Tribunal Constitucional de Espanha revogou artigos do Estatuto de Autonomia, e reinterpretou outros, não permitindo que o catalão fosse língua preferencial nos serviços públicos, escolas e media, tendo amputado do clausulado a referência de que a Catalunha é uma Nação. Esta regressão na descentralização de poderes deu origem, em 2014, a um referendo não vinculativo, em que cerca de 2,3 milhões de votantes declararam, por uma maioria de 80,7%, o seu desejo de independência. Em 2017, a Generalitat comandada por Carles Puigdemont liderou um referendo no mesmo sentido, mas sem validade ou legalidade, não só porque inexistiram cadernos eleitorais, mas também porque os boletins e as urnas foram confiscados por ordem judicial e, sobretudo, porque a Constituição Espanhola impede referendos sobre questões de soberania nacional. Desde então tem havido um braço de ferro entre o Governo Central e o Governo autonómico, com o Rei e Mariano Rajoy a endurecerem o discurso e, mais recentemente, a aplicarem o artigo 155.º da Constituição, que permite suspender a autonomia da região, e, tudo indica, a convocarem, no prazo de seis meses, eleições antecipadas. Esta situação é altamente preocupante para a Espanha, mas também para a União Europeia, onde os nacionalismos proliferam, capazes de pulverizarem os países e o projeto europeu.

Outras visões

De todo o modo, a comunidade internacional e as instituições europeias consideram a situação como relevante do foro nacional, daí que tenham, até agora, recusado serem mediadoras no conflito. Muitas falácias se têm, desde então, propalado em caso de independência da Catalunha, designadamente a de poder integrar a UE enquanto novo Estado-membro. Antes de mais, a questão inicial seria o primacial reconhecimento pela ONU como Estado independente, podendo a sua situação ser de um limbo, em tudo semelhante à do Chipre do Norte ou da Palestina e, depois, pelo facto de ter de iniciar ex-novo o processo de adesão, cuja decisão é adotada por unanimidade e em relação à qual a Espanha votaria sempre contra. A saída do mercado único e, logo, das quatro liberdades de circulação de pessoas e trabalhadores, mercadorias, serviços e capitais, bem como da moeda única, seria um golpe mortal para a prosperidade da Catalunha, que teria como consequência a imposição de contingentes e todo o tipo de barreiras, com perda da competitividade económica e financeira de que goza até hoje. Aliás, não é sem razão que a saída de vários grandes bancos e empresas da região prenuncia tempos difíceis para uma Catalunha, ela própria dividida, no seu território entre independentistas e unionistas.

Grande desafio

Contudo, o maior desafio é para o Governo Central, que tem de agir simultaneamente com a firmeza que a legalidade lhe confere, mas também com a flexibilidade necessária para não abrir portas, no limite, a uma nova guerra civil, com efeitos de contágio a outras regiões do território de Espanha. Voltando ao século XVII e ao conde-duque de Olivais, este pronunciou uma frase que ficou famosa e que referia que “com os valencianos farei o que quiser, com os aragoneses o que puder e com os catalães o que eles queiram”. É, justamente, neste tabuleiro de jogo de vontades que o futuro da Espanha e, quiçá do projeto europeu, se vai decidir.

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