UMA MÁ SURPRESA NAS ELEIÇÕES DA ALEMANHA
Quem pensava que estas eleições legislativas na Alemanha iam ser entediantes na campanha e nos resultados, qual evolução na continuidade, não previu os impactos que a política de refugiados de Merkel teve nos eleitores.
Presumo que nunca houve dúvidas de que a atual chanceler iria ganhar o seu quarto mandato, igualando o de Helmut Kohl, conhecido como a buldózer da reconstrução alemã que teve na sua história política marcos emblemáticos como a reunificação alemã e a adesão ao euro, com o abandono do poderoso marco. Não era, contudo, expectável que a coligação CDU/CSU passasse de uma votação nas eleições transatas de 41,5% para uns magros 33%, um dos resultados mais baixos desta aliança no pós-guerra. O mesmo aconteceu ao SPD parceiro na governação no último mandato que, não obstante ter partido com uma esperança renovada na figura de Martin Schulz, presidente emblemático do Parlamento Europeu, também teve os piores resultados, tendo passado de 25,7% para 20,5%, o que determinou a forte resolução do partido em passar à oposição e reconstruir-se ideológica e programaticamente. Esta é, aliás, a chamada maldição de Merkel que tem como consequência que nos seus mandatos os partidos parceiros sejam arrasados nas eleições seguintes, como aconteceu ao SPD no primeiro e neste último mandato, e com os liberais, que foram, no seu segundo mandato, varridos literalmente do espetro político pois não atingiram sequer os 5% necessários de votos para integrar o Bundestag, ou seja, o Parlamento alemão. Assim, esta derrocada do centro acabou com o tédio, ao surgir e entrar para o Parlamento, pela primeira vez depois do pós-guerra, um partido de extrema-direita que reuniu 13% dos eleitores.
A Alternativa para a Alemanha – AfD capitalizou o medo existencial, muito alemão, em relação ao futuro, designadamente de perda da identidade nacional pela influência crescente do Islão, a insegurança e a indústria de asilo. Formado como partido anti-resgate do euro em 2013, deu o salto aquando da entrada no ano seguinte de cerca de um milhão de refugiados, tendo já conseguido uma presença expressiva nas eleições locais dos Lander. Curiosamente, os seus apoiantes são pessoas com níveis de literacia elevados e com rendimentos também superiores à média. Os alemães vão ter, doravante, de assistir no hemiciclo a discussões que, pensávamos, não mais iriam existir. Merkel, independentemente da coligação que fizer, e que nunca incluirá a Alternativa para a Alemanha – AfD, terá sempre uma oposição mais vocal e com consensos mais difíceis de obter. Tudo porque Merkel decidiu escancarar fronteiras, na senda da sua vertente social e ética, piscando simultaneamente o olho à opinião pública de esquerda. O mundo aplaudiu e, pela primeira vez, teve realmente boa imprensa, enquanto chanceler paladina dos refugiados e dos seus direitos, em consonância com os valores europeus e cristãos de defesa dos mais frágeis e desfavorecidos. Quando os episódios de violações pelos refugiados fizeram manchetes, Merkel, com o seu conhecido pragmatismo, decidiu subtilmente recuar dificultando o reagrupamento familiar dos refugiados, propondo um plano Marshall para África e um acordo com a Turquia facilitando a emissão de vistos aos seus nacionais, mas os danos estavam feitos e não conseguiram ser reparados em tempo, favorecendo o emergente partido de extrema-direita. Agora a magna questão é a de saber quem a CDU conseguirá escolher como parceiro de partido, sugerindo-se uma experiência nunca tentada, na chamada coligação Jamaica que inclui os liberais e os verdes, dado que o SPD já fez saber a sua recusa em participar.
Contudo, não antecipo um mandato turbulento, qualquer que sejam as alianças que se venham a formar. Merkel sempre representou até hoje a revolução da normalidade com um sentido tático subestimado e que lhe permitiu atravessar, serenamente, a crise bancária de 2008, a crise do euro de 2010 e a dos refugiados de 2015. Em suma, qualquer que seja o cenário político, Angela Merkel, que se diz um pouco liberal, social-democrata e conservadora, sem uma ideologia bem definida, mas com grande pragmatismo, tem existido não para empolgar, mas para gerir uma Alemanha próspera, que tem sido, até hoje, o farol que ilumina a Europa nos dias mais cinzentos e nebulosos.
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