Artigo da Senior Partner da VSM, Dra. Isabel Meirelles, na revista Frontline sobre as eleições presidenciais francesas

O CUBO DE RUBIK DAS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS FRANCESAS

As eleições presidenciais francesas decorrem em abril e maio, respetivamente, no que respeita à primeira e segunda voltas, num panorama ensombrado pelas sondagens que colocam Marine le Pen como a mais votada na primeira volta e, portanto, com fortes probabilidades de chegar ao Eliseu, com cerca de 25 a 26% das intenções de voto, ou seja, mais 5 a 7% em relação às eleições transatas de 2012, isto numa altura em que a campanha eleitoral nem sequer arrancou.

A esquerda não se entende e está fracionada, com um Partido Socialista vulnerável e dividido na sucessão de François Hollande, que decidiu não se recandidatar, deixando atrás de si um rasto de má governação em que o crescimento económico nunca chegou a afirmar-se, o desemprego continua nos dois dígitos e em que foi imposta uma lei laboral com recurso ao artigo 49.3 da Constituição, que dispensa a votação parlamentar, apesar das fortes manifestações populares, por ser considerada demasiado liberal e como favorecendo sobretudo os empregadores. Mais à esquerda, Jean-Luc Mélenchon com um programa da França Rebelde, anti neoliberal, com propostas de um Estado forte, uma ação fiscal contra os mais ricos, o aumento do salário mínimo e dos investimentos públicos, onde está subjacente a defesa de uma França para os franceses, que preconiza a saída da NATO e da União Europeia, o que implicaria também o não pagamento da dívida interna francesa, praticamente em consonância com o programa da Frente Nacional. Na direita perfila-se François Fillon, do partido Les Républicains, com um currículo político de deputado, presidente de Câmara, ministro e primeiro-ministro entre 2007 e 2012, durante a presidência de Nicolas Sarkozy. Contudo, a sua candidatura está muito fragilizada pelo escândalo, que este nega, de ter dado emprego à sua mulher, como assessora parlamentar, durante vários anos, onde teria recebido um total 600 mil euros num emprego fictício, dado que, supostamente, nunca exerceu qualquer cargo no hemiciclo. Apesar de tudo e de forma obstinada, mantém-se na corrida presidencial, a ter, assim, fortes probabilidades de ser punido nas urnas pela descredibilização de que tem sido alvo.

Estrela emergente

Como estrela emergente no panorama eleitoral francês aparece Emmanuel Macron, dissidente do Partido Socialista, que lançou o Movimento em Marcha, depois de se ter demitido do executivo em conflito com Valls e Hollande, mas sem uma ideologia específica, a navegar nas águas da social-democracia liberal, capaz de galvanizar nesta indefinição programática os lados mais moderados da esquerda e da direita francesas. O seu percurso de vida também lhe tem granjeado simpatias, designadamente por se manter casado com uma mulher 24 anos mais velha, numa posição política e pessoal manifestamente anti-establishement, o que tem demonstrado ser muito popular em eleições, na Europa e no mundo. Macron é um caso de estudo que simboliza o colapso do sistema partidário francês, que concorre sem o apoio de uma máquina partidária, de forma independente, mas que é o único político da nova geração a propor uma renovação da sociedade, uma aposta económica no mercado global e na Europa, com uma visão fresca e reunificadora do futuro, talvez o único candidato capaz de fazer face ao perigo da ascensão da extrema-direita ao poder.

Campanha notável

Marine Le Pen é indesejavelmente sedutora, com uma imagem clean e ariana, com um vídeo de campanha perigosamente notável, onde afirma o seu amor incondicional pela França e a sua condição de mulher e de mãe, que se ofende pelas restrições das liberdades face ao avanço do fundamentalismo islâmico e que recebe os insultos ao seu país e o sofrimento dos seus compatriotas, como se lhe fossem dirigidos. Neste sentido, o seu programa propõe negociações com a União no sentido de recuperar a soberania monetária, legislativa, territorial e económica de França, o que passa por um referendo sobre a adesão à União Europeia, ao acordo de Schengen e ao regresso à moeda nacional, deixando antever a forte possibilidade de um “Frexit”. No cerne está também o patriotismo económico, que promete desafiar as regras da União Europeia em relação aos constrangimentos que estas impõem às empresas francesas e à livre circulação de trabalhadores, designadamente em termos migratórios. Propõe-se, assim, reduzir as atuais 40 mil entradas para 10 mil entradas em território francês, criando um imposto adicional na contratação de trabalhadores estrangeiros, impedindo-os de trazerem os seus familiares e dando prioridade ao emprego dos franceses. Visa, igualmente, reforçar o país no plano da defesa e defende a saída da França do comando militar da NATO, para que esta trave, assim, as suas próprias batalhas e não as de outrem, na posição de orgulhosamente nós. Em suma, no cerne do programa, uma proposta de reforma que inscreva na Constituição a prioridade nacional.

Eleições decisivas

Nestes termos, as eleições presidenciais francesas deste ano não podem ser vistas como mais umas, mas sim como sendo eleições decisivas para a França e, sobretudo, para o projeto de União Europeia que não pode arriscar sofrer mais reveses, para além dos do “Brexit”, sob pena de colapsar e a Europa se poder ver, de novo, mergulhada nas trevas dos extremismos da intolerância e, quiçá, de guerras intestinas que, num passado recente, foram a vergonha da Humanidade. Estamos, assim, qual cubo de Rubik, perante uma complexidade de fatores e de variáveis, muito difíceis de resolver, mas que podem desencadear consequências imprevisíveis, por ora muito difíceis de antever.

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