A Europa no que ao campo das relações laborais diz respeito ficará irreversivelmente marcada pela decisão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (doravante TEDH) no referente à pronúncia realizada sobre o ora mediático caso Barbulesco.
Numa análise escorreita do caso em apreço, Bogdan Mihai Barbulesco, engenheiro romeno, foi despedido em 2007 da empresa em que trabalhava por ter utilizado uma ferramenta informática da mesma para falar com a noiva e o irmão. O trabalhador alegou a ilicitude do despedimento, defendendo a violação da sua privacidade, na medida em que o empregador vigiou, consultou e leu o teor das suas mensagens pessoais. O TEDH, corroborando aliás a decisão dos tribunais romenos, decidiu em favor da empresa.
Várias são as questões que emergem: Pode o empregador aceder a conteúdos pessoais do trabalhador? Pode esse conteúdo ser usado como prova? Pode o trabalhador ser alvo de processo disciplinar ou ser despedido pelo simples facto de usar uma rede social no seu local de trabalho?
Será certamente imprudente avançar com uma resposta peremptória, porquanto esta questão terá que ser casuisticamente entendida. Porém, a nossa legislação nacional descortina um caminho. O legislador português, nos termos do n.º 1 do artigo 22.º do Código do Trabalho (CT) salvaguarda a reserva e confidencialidade do teor das comunicações e informações de natureza que o trabalhador receba, envie ou consulte durante o tempo e lugar de trabalho. Em contraponto o seu n.º 2 diz que tal só assim não será se vier expressamente regulado, em princípio, em regulamento interno da empresa e tal seja (ou deva ser) conhecido do trabalhador.
Com efeito, tendo a empresa especificado que os trabalhadores não podem usar as redes sociais em meio laboral, estes ficam por esta premissa naturalmente sujeitos a processos disciplinares. À posteriori, coloca-se a questão de como os empregadores sabem se um trabalhador acedeu ou não, por exemplo, a uma rede social durante o horário de trabalho.
Aqui surge o ponto nevrálgico do tema! O empregador só saberá se o trabalhador usou as redes sociais se o vigiar e tomar conhecimento da existência e do teor de todas as comunicações do trabalhador em meio laboral, nomeadamente as de cariz pessoal. Note-se que a privacidade é um necessário reflexo da liberdade do trabalhador, ambos direitos constitucionalmente protegidos e que serão quase totalmente esgotados se o fenómeno “big brother” no trabalho seja admitido .
Mais se clarifica, o n.º 1 do artigo 20.º do nosso CT vai mais além e diz que não pode ser usado um meio encoberto à distância para vigiar o desempenho do trabalhador. Ora, o controlo dos meios informáticos do trabalhador, será certamente um mecanismo de vigilância. E também por esta circunstância e recorrendo a enquadramento de valor jurídico aceite, temos uma Recomendação CM/Rec(2015)5 do Comité de Ministros do Conselho da Europa sobre o tratamento de dados de natureza pessoal no contexto do emprego, no seu ponto 14.4 diz igualmente que o empregador não pode em qualquer circunstância monitorizar o trabalhador.
Não obstante, e não nos esquecendo de relevar, o trabalhador dever cumprir com zelo e diligência as funções para as quais foi contratado, a utilização de uma rede social e o meio de obtenção de prova (vigilância do trabalhador) e consequentemente a prova obtida, não são proporcionais nem adequados ao fim que visa cumprir, em concreto, que estas distracções(?) afectem a produtividade dos recursos de uma empresa.
Ora, de tudo o que se vem a indicar, devemos ainda questionar igualmente a proporcionalidade de um despedimento com fundamento no uso de uma rede social, porque, a admitir-se, o empregador teria que aceder a todos os telemóveis ou outros dispositivos móveis pessoais dos trabalhadores durante o horário de trabalho, sob pena de violar o princípio da igualdade.
Aqui e fazendo apelo a uma análise alargada de uma sociedade global com o crescimento massivo da utilização das novas tecnologias, tal como, aceder às redes sociais ou consultar o e-mail, tem que ser entendido como tempo de lazer, semelhante à comum pausa para café ou cigarro que ninguém aceita ser justa causa de despedimento.
Em suma, estamos perante uma luta titânica de interesses sem serem concretizados parâmetros de valoração como seja a produtividade/resultados exigidos face aos normais e legais momentos de pausa a que cada trabalhador tem direito, pois se um trabalhador não fizer as pausas a que tem direito e num determinado momento consultar por hipótese o seu e-mail pessoal, a justiça de análise não pode levar ao resultado fácil de se despedir por essa via, dado que, estamos a omitir certamente a verdadeira razão que levou a essa decisão.
Ao trabalhador não pode ser exigido que quando entre no seu local e tempo de trabalho, deixe de ser pessoa!